Engrenagens Obsoletas
- Pedro Brandão
- 26 de mar. de 2017
- 2 min de leitura

Estou cansado de viver em cidades, os grandes centros da acumulação e consumo desenfreados e estilos de vida não muito compatíveis com meus ideais de vida saudável e de conviver com os subprodutos de um sistema que serve ao capital: poluição sonora, visual, poluição de fato, carros e pessoas à margem disso tudo.
No início da noite, eu e meu pai estávamos comendo em um restaurante caro num bairro nobre de Brasília. No fim do nosso jantar, fomos abordados por um comerciante informal de origem humilde enquanto ainda estávamos sentados, fenômeno bem comum na capital federal. O homem, de idade igual ou inferior a minha, oferecia bombons. Ele era simpático, determinado e havia construído um discurso para que os bombons fossem vendidos mais facilmente. Após o término de sua fala, neguei, não queria chocolates naquele momento.
Reparei como as outras mesas lidavam com o rapaz: a maioria interrompia logo no início do “posso falar um minutinho com os senhores?” com um “não estou interessado” ríspido e indiferente. Reparar nas reações das mesas me entristeceu e me causou uma reflexão: onde está nosso sentimento empático?
Comecei a me perguntar como é possível a gente viver tão no automático e como é possível a gente se encaixar tão perfeitamente, quase como engrenagens, nesse sistema tão indiferente com os subprodutos que ele mesmo e nós mesmos criamos?
Nossa rotina nos obriga a guardar os sentimentos sensíveis e delicados na sola de nossos tênis. A atenuação do nosso amor ao próximo vem pela rotina atordoante que necessita ser altamente produtiva, vem pela mídia e seu circo de horrores que enrijecem nossos corações todos os dias, sendo necessário um tiro de um calibre cada vez maior para quebrar com a pedra que se formou e de várias outras maneiras não menos tenebrosas.
E existem também as situações que se criam quando nós, engrenagens que não se encaixam perfeitamente nessa grande máquina sistêmica, tentamos ajudar mesmo que paliativamente. Dar ouvidos àqueles que não têm ninguém, nem mesmo um amigo que os escutem por meia hora ou uma, e absorver histórias inacreditavelmente difíceis. A culpa por não poder tomar uma ação que cause uma mudança estrutural que estremece a alma. E ver-me, em partes, atrelado ao sofrimento desses subprodutos que criamos e ao mesmo tempo de mãos atadas para reverte-lo me dói muito.
Provavelmente, ninguém naquele restaurante se preocupou como seria a vida do rapaz, o quanto de dinheiro ele havia conseguido, onde morava e tudo o mais. Depois de me levantar para pagar a conta e, não aguentando mais a culpa e o horror por isso tudo, comprei os chocolates: seja para me sentir melhor (o que seria, de fato, um sentimento hipócrita e egoísta), seja para ajudar o rapaz apenas e simplesmente ou por todo esse imbróglio de sentimentos.
Estou cansado.